sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A noite, todos os gatos são pardos


À noite, todos os gatos são pardos

“Mãe, estou indo surfar”.
Não fosse pela hora, bastante inusitada, o aviso seria apenas mais um, talvez respondido com um simples “o.k.”. Mas a cara que minha mãe fez, quando eu disse que estava indo pegar onda numa quinta-feira, às 11 da noite, deixou clara toda a sua desaprovação e preocupação. Ela não surfa, não entende. Mas, na verdade, nesse dia, nem eu mesmo estava entendendo direito o que estava acontecendo.

Como acontece todas as quintas, costumo sair do trabalho e ir tomar uma gelada no barzinho da faculdade. Mesmo depois de formado, não consigo deixar de frenquentar o famoso “Seu Pires”, em frente à PUC-Rio, e tenho certeza que aqueles que já foram lá, principalmente nesse dia da semana, me entendem. Para os que não conhecem, a cerveja não é das mais geladas e o crowd impera, mas é lá onde fica a maior concentração de mulher por metro quadrado. Qualquer coisa indescritível.

Detalhes à parte, tudo se encaminhava para ser mais um encontro entre amigos, apenas para contar as novidades. O mar estivera perfeito durante quase toda aquela semana, com ondas que chegavam a dois metros e diversos picos bombando, e um dos assuntos tinha sido justamente as façanhas da galera que pode aproveitar o swell. Só que a vida de trabalhador, infelizmente, não me permite mais surfar pela manhã em dias úteis e só o que me restava fazer era lamentar e ouvir as histórias dos mais afortunados.

Foi aí que meu camarada Paulinho, outro frequentador assíduo do Pires, anunciou que estava indo para casa, pegar sua prancha e partir para o Arpoador para fazer um surfe noturno.

“Qual vai ser? Partiu?”

Até aí, nenhuma novidade, já que essa prática vem acontecendo há algum tempo no Rio de Janeiro, e os mais fissurados não perdem um “Arpex” ou Itapuca de gala, seja de manhã ou à noite.

Mas naquele momento, aquilo soou para mim como uma grande oportunidade. Já surfei em onda grande, pequena, buraco, cheia, mas sempre com o sol sobre minha cuca. Nunca havia experimentado essa sensação em quase uma década de surfe levada a sério. Era a hora de arriscar.

Agora, vai explicar isso para quem não surfa. Por isso, não foi nada fora do comum, apenas muito engraçada a cara de pânico da coroa e toda a sua veemência ao me convencer que eu deveria era ficar em casa.

Sinceramente, não dei muita satisfação!

O cara já estava na portaria, me ligando, e só deu tempo de eu pegar a prancha, o john, uma toalha e dizer “Fui, mãe”. Mas confesso, estava assustado. O mar tinha um tamanho, o localismo no Arpoador não tem hora para acontecer e até para mim aquele surfe seria uma ousadia.

Quando a gente chegou na areia, se deparou com um cenário perfeito: altas ondas, com séries de um metro e meio, todos os holofotes acesos e, o melhor, NINGUÉM na água. Não me lembro de ter visto aquele pico quebrando daquela maneira sem uma alma viva no outside. A vibração foi enorme.

Saímos correndo e a primeira série veio daquele jeito: lambendo a pedra e formando aquela esquerda mágica, com uma parede que parece o braço de um gigante. A pranchinha estava pequena para as maiores do dia, ou da noite, mas não pensei duas vezes: me joguei em todas, tentando passar a primeira sessão voado, para depois começar a brincar.

Não estava com medo, mas a novidade me assutava um pouco. A luz só alcançava um certo ponto e, depois da terceira manobra, o resto era no instinto, já que o breu era pleno. Depois da primeira meia hora, relaxei e comecei a pensar como seria um tubo no escuro. Aquela visão, que só os que já andaram por dentro do salão sabem descrever, em um outro plano completamente diferente. Coloquei na cabeça que não sairia do mar sem pelo menos tentar. Tentei... Quer saber como foi? Também não sei. Na única oportunidade que tive, dropei atrasado, joguei pra dentro e só tive tempo de me atirar na água, desviando do Paulinho, que apareceu como um fantasma na minha frente e me preparando para o caldo.

Ficou para a próxima. Fui dormir feliz e aquela quinta-feira, que começou como outra qualquer e terminou como nenhuma outra, serviu para confirmar que o surfe é muito bom, seja de manhã ou à noite. Saí da água agredecendo a Netuno e a um cara que viveu há algum tempo, mas que se não fosse ele, meu surfe semanal estaria definitivamente vetado: Thomas Edison, o criador da lâmpada.

Obrigado Thomas!

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